Thursday, March 4, 2010

Prefácio do livro


Rio de Janeiro. 2008. Usina. Qualquer vento neste apartamento produz um uivo que lembra um longo e contínuo choro. Dependendo da força e da direção, o som é muito alto — impossível dormir — e tenho a impressão de que serei sugado e levado por alguma fresta. Em dias claros, dá para delinear o horizonte recortado pelas montanhas da Serra dos Órgãos. Sempre que o efeito sonoro do vento se faz notar — e é impossível ignorá-lo —, a origem da minha personalidade artística renascentista me ocupa a mente. E a tristeza que descobri no íntimo, no quase esquecido 25 de fevereiro de 1979, faz tudo perder o sentido. Sei que nesse vento está o choro pelo meu silêncio. Sei que esse vento, sincronizando sonho e vida, expressa constante lamento. Qual a saída? Fazer o quê? Não dá mais para fugir de mim mesmo. Foram muitas as razões que me levaram à decisão de abrir a essência da minha história. Difícil, porém, era saber qual a postura depois disso, mas a consciência necessária para assumir a minha identidade já estava pronta. Por trás da fachada da mente física, sou uma pessoa que já fui no passado. Costumava assinar Michelangelo Buonarroti e vivi na Itália de 1475 a 1564. Minha arte era e ainda é famosa, mas não foi através dela que me reconheci. Foi a lembrança de uma situação emocional traumática da minha vida na Itália. Não sinto orgulho algum de ser o que sou, porque ser o que sou implica isolamento profundo, estranheza extrema e comprometimento explícito com outra dimensão. Não há dúvida existencial, apenas entrega transcendente da própria vida. Por isso, não tenho direito a qualquer questionamento, e só por isso agora eu falo. O sentimento por uma pessoa da minha vida italiana compõe o núcleo do meu autorreconhecimento. A sensibilidade e a prática artística, com sua série infinita de decisões criativas puramente intuitivas, fazem da minha vida atual uma repetição diária de experiências que me lembram sempre de quem eu sou — situação da qual fiz de tudo para escapar. Passei os últimos 25 anos fugindo de ser o que sou e jurando morrer calado, mas em 2007 percebi que mergulhava numa lenta e dolorosa autodestruição. Então, resolvi dizer SIM em resposta a um convite que sempre existiu para mim vindo da outra dimensão. Como quem canta para não haver mais dissonância e tentar a paz consigo mesmo, aqui vai: Ícaro, Contemplação & Sonho, o primeiro relato detalhado do que aconteceu comigo de 1979 até 2008. Termino a minha vida dizendo a todos: — SIM, eu sou Michelangelo Buonarroti! E, SIM, eis a minha história!