Sunday, March 13, 2011

Desenhando como criança

Apollo - The development of the idea
Olá, pessoal
Depois de anos e anos frequentando ambientes de atividades artísticas, entre aulas para me sustentar, trabalhos diversos e exposições, conheci um mundo de gente e um mundo de visões sobre arte. Eu era um completo estranho numa festa completamente errada para mim. As minhas origens – surfista e, depois, o isolamento para pesquisa da minha identidade espiritual – não tinham nada a ver com os valores e as referências daquelas pessoas. Eu não era um artista como elas nem gostava de arte. Eu não participava das expectativas delas e, por isso, ninguém me interessava ou me conheceu de fato. Mas, como dizia meu pai nos anos 1990, ao ver o meu desgosto pelo investimento feito ao seguir o caminho da arte: "Começou a dançar e namorar com a mais feia, agora, vai ter que casar com a mais feia!". "Mas como é feia essa tal de arte!", concluía eu, para o meu umbigo, engolindo à seco o que a minha vida havia se transformado. E repeti por anos para o meu umbigo: "Eu tenho que aprender a gostar de arte e dessa gente que gosta de arte!".
Era muito estranho frequentar aquelas pessoas. Quem conseguia entender que os meus trabalhos não são reproduções de obras do passado, logo queria saber como eu havia adquirido tamanho domínio de anatomia humana. Esse meu conhecimento chamava a atenção, mas eu nunca sabia o que dizer. A minha trajetória de vida – desenhando como criança em beiradas de cadernos os bonecos toscos surfando, ondas e pranchas, e, depois, a transformação do desenho desaguando na lembrança da Vittoria Colonna – não tinha como ser explicada nem tem nenhuma relação com as expressões artísticas atuais, seus processos criativos e suas didáticas. Como explicar o que não aprendi sem revelar a origem espiritual deste meu conhecimento?
Basicamente, eu conheci três grupos sociais distintos nos ambientes de artes plásticas. Enquanto convivia com os "tradicionais", que acreditam em desenho, pintura e escultura (veneram Courbet, Rodin, Monet, Brancusi, Picasso, Dali, Pollock etc), e os "contemporâneos", que só buscam o absolutamente novo (veneram filósofos e grandes questões de linguagem visual) e defendem suas ideias "novas" com textos, eu também frequentava os "ingênuos", que só querem aprender a desenhar, pintar e esculpir, e lotam ateliês de cursinhos de arte e barracões de escola de samba. Devido à minha ânsia por conhecer a vida sem a identificação do Michelangelo Buonarroti em tudo o que tinha feito em arte e louco por poder viver o que quisesse – sexualmente falando – acabei tendo mais "êxito" entre os "contemporâneos", com a minha "famosa" Performance da Barbie – mas a grana para pagar a modelo de passarela que contratei para personificar a Barbie veio do trabalho em carnaval, com os "ingênuos".
Todo mundo sabe que o século XX misturou o significado da palavra arte com o significado da palavra liberdade, o que não quer dizer que esta liberdade esteja incentivando toda e qualquer iniciativa artística. Hoje existe o imperativo da originalidade inventada. Mas será que esta originalidade define quem merece o rótulo de artista? Nada haveria de errado na obrigação de originalidade se não houvessem pré-conceitos sobre o que é ser original. Por trás do direito de ser livre para expressar o que quiser em arte, a liberdade artística nivelou na superfície formas e pensamentos estéticos de origens distintas e complexidades díspares. O resultado desta absurdamente equivocada visão é que a conquista da liberdade irrestrita na arte formou um pensamento único, ignorante, repleto de fórmulas sobre como ser original para ser artista, cujas ideias de arte estão reduzidas a discursos políticos baseados em conceitos formulados pelos "contemporâneos" e/ou à habilidade social para se autopromover a celebridade. Neste último caso, "tradicionais", "contemporâneos" e "ingênuos" têm seus valores estéticos nivelados quando adquirem grande visibilidade social.
O meu único ponto de contato com estas discussões foi a minha necessidade de frequentar as pessoas dos ambientes de arte. Depois da minha "famosa" Performance da Barbie, eu já sabia que não era artista em nenhum sentido "contemporâneo", "tradicional" ou "ingênuo" do termo. Os 4 anos que passei escrevendo e adorando o meu natural talento para a escrita ficcional me deram o distanciamento necessário para que eu entendesse a óbvia singularidade do meu outro talento: a arte plástica que expresso é apenas um testemunho visual da minha realidade espiritual, que surgiu enquanto eu desenhava como criança em beiradas de cadernos.
Todas as pessoas dos ambientes artísticos que chamei de "tradicionais" buscavam a reprodução do corpo natural, ou como estudo ou como caminho para resultados surrealistas/fotorrealistas que, hoje, dominam a cena da representação da figura humana. Todos tinham como ponto de partida o modelo vivo. Como eu poderia falar da minha arte, como didática, se a origem da minha figura humana NÃO é o modelo vivo? Como falar da minha arte se a figura humana que expresso é construída por sentimento? Como explicar que eu só preciso desenhar como criança para criar os meus nus? Mesmo assim, esses que classifiquei como "tradicionais" costumavam repetir conselhos para mim do tipo "para eu me soltar" (seguindo aquele bordão imbecil dos modernistas sobre o que seria um desenho mais solto: menos informação anatômica e menos referências no passado). Mas quem precisava se soltar na representação do modelo vivo eram eles, não eu. Eu só preciso do meu rabiscar de criança para construir imagens da minha alma. Quem ainda tem que achar a própria alma para soltar o desenho são eles, os "tradicionais", não eu!
Quando era pressionado pelos "tradicionais" a explicar a minha arte, dizia que, para aprender o meu tipo de representação da figura humana, é necessário domínio intuitivo completo da anatomia humana e domínio intuitivo do equilíbrio do nu em contrapposto (pré-requisitos que nunca encontrei em ninguém até hoje), e muita gente desdenhava da minha explicação sem sequer saber do que estava desdenhando (A linguagem do nu em contrapposto está definida na internet como uma simples postura do corpo (?!?!), e como tendo sido resgatada por Donatello, Leonardo Da Vinci e eu (Michelangelo Buonarroti). É muito estranho que uma simples postura de corpo precise de grandes artistas para ser entendida e resgatada. Mas… Donatello??? Só com aquele Davi ridículo??? Mas… Da Vinci??? Só com aquele desenho??? PQP!!! Por essas afirmações percebe-se que a compreensão do nu em contrapposto perdeu-se no tempo. A música por trás de um nu em contrapposto é coisa da minha época na Italia renascentista).
Entretanto, na relação com os "contemporâneos" havia muito mais atrito. A minha natureza íntima (um surfista que foi surpreendido por uma auto-compreensão não codificada pela atual cultura humana), mesmo mantida em segredo, batia de frente com a arrogância intelectual das pessoas deste ambiente artístico. O deboche com o estilo de vida do meu esporte, o surfe, foi decisivo para que eu nunca mais frequentasse esses grupos de arte (faltou muito pouco para que eu arrebentasse a cara de duas pessoas). Mas o deboche comigo, após abrir a minha realidade espiritual, também encerrou a minha vida social com os outros grupos. Devido à minha disposição para a reação violenta e sem limites, não há mais retorno possível àquela situação de um estranho na festa errada. Hoje, só frequento ambientes de arte por motivo de trabalho e sendo bem pago para aturar estupidez.
Após todos esses anos, eu entendi que não faz nenhum sentido sair do meu universo pessoal. Só porque trabalho com arte não quer dizer que eu queira ser um artista aos olhos da sociedade. E só porque eu não sou esse artista, não quer dizer que não deva expressar a minha arte. Eu nunca vou parar de desenhar como criança em beiradas de cadernos e pedaços de papel. Mas, sempre que eu desenhar, estarei seduzido por algum sentimento de transcendência: ou movido pela lembrança da Vittoria Colonna, ou buscando visualizar no traço a saudade do fazer artístico da minha primeira vida. A arte que eu faço não tem nada a ver com a arte atual. A arte que faço é e sempre será um ato de autorreconhecimento da minha identidade Michelangelo Buonarroti e um testemunho visual da minha experiência espiritual.

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