Sunday, June 5, 2011

O conceito do livro: explicar o óbvio.

Young Head

Olá, pessoal
O espaço público é o espaço do discurso político. Qualquer ambiente social é um espaço onde nos colocamos de forma política. Qualquer aspecto do nosso comportamento vai compor o nosso discurso político. O registro escrito de qualquer experiência de vida é o mais amplo discurso político que pode ser construído. E eu não queria ser enquadrado em nenhuma corrente política-filosófica-religiosa atual quando apresentasse o livro "Ícaro, Contemplação & Sonho" no espaço público. Não queria porque, se eu me aliasse a qualquer corrente, a singularidade do que vivi não seria expressa. Mas como fazer isso diante de uma experiência de vida que começou com comunicações paranormais (1979) e uma incorporação diante de meus olhos (1980) que foi de tirar o folêgo? E como enfrentar os obscurantismos e os preconceitos contra mim?
Quando passei a me apresentar como o próprio Michelangelo Buonarroti, eu dei o primeiro passo na direção da postura que vislumbrei como a única capaz de expressar a minha experiência de vida. Era a radicalização necessária para me colocar de forma inequívoca no espaço público e começar a construção do meu discurso político. Sem perceber, contudo, eu estava emitindo um ultimato para amizades de longa data e criando um teste de capacitação para as novas amizades. A margem de manobra para os relacionamentos se reduziu enquanto que a minha simples apresentação se transformou em um convite emocional de alcance planetário. E não havia nenhum alinhamento de ideias, apenas a exposição à incompreensão e ao preconceito. Entretanto, dia após dia, comecei a colher as reações a esta minha apresentação e a entender que a minha nova realidade diária seria uma guerra. A guerra para explicar o óbvio que carrego no íntimo contra o preconceito e a estupidez pública e privada da sociedade.
Depois da entrada no espaço público como o próprio Michelangelo, eu tinha a obrigação de criar um livro que escapasse de ser considerado válido por céticos ou crentes. O livro "Ícaro, Contemplação e Sonho" teria que ser rejeitado em algum ponto por todos os grupos sociais e até jogado no lixo pelo mais louco entusiasta da minha história. Esta pretensão não se devia a nenhuma ânsia adoslescente em ser diferente, mas à dificuldade de codificar a minha experiência espiritual sem me alinhar a ninguém. Teria sido muito confortável buscar proteção nas visões de mundo que já estão nas prateleiras, contudo, esta atitude seria absolutamente desonesta comigo mesmo e com o outro. Mas como reunir 30 anos de "conversas" com o meu próprio íntimo e com um sentimento de transcendência que precisei de uma vida inteira para entender verdadeiro? Como explicar as lembranças da infância no meio de experiências espirituais que desintegravam o sentido de identidade da minha vida adulta?
A solução literária foi mergulhar no sentido simbólico das coisas que me aconteciam para tentar revelar a natureza da situação espiritual que tive de enfrentar. Eu precisava traduzir a emoção que me transformou até hoje em falas e pensamentos compreensíveis. Apontei a existência de uma outra dimensão acessível pelo nosso íntimo, visualizei os personagens de lá que dialogavam comigo e, assim, fui arrumando a história ideal para ser o meu discurso político. Seria falsa esta minha conceituação do desconhecido? Seria falsa a história arrumada que conto? De forma alguma! Trata-se tão somente de mais uma apresentação do desconhecido. Trata-se tão somente de mais uma história sendo contada. Afinal, qual história que não é arrumada quando é contada? Quanto ao desconhecido, o meu próprio ato de atribuir sentido àquilo que, antes, não tinha um sentido prévio é uma revelação espiritual desde o início da minha busca por sentido (1983). Mas a certeza de que havia verdade naquilo que eu vivia e a coragem para seguir adiante estava muito além de qualquer reflexão mundana.
Entretanto, existem circunstâncias culturais e sociais que condenam histórias e pessoas antes mesmo de estas serem conhecidas. Além dos preconceitos de praxe, qualquer experiência espiritual depende de um profundo isolamento do indivíduo para acontecer, o que gera ainda mais preconceito. Existe uma situação de vida, que batizei de "obscurecimento pela proximidade", cujos efeitos podem ser notados em diversos tipos de pessoas. Entre os mais afetados por este bloqueio mental, está a família, amigos de infância, indivíduos robotizados pela mídia (muito numerosos), indivíduos robotizados por ideologias, religiões e filosofias diversas. A única possibilidade de abertura mental para estas pessoas seria a opinião de alguém que seja muito respeitado por elas mesmas. O mais provável que aconteça, porém, é que este bloqueio mental, o "obscurecimento pela proximidade", se transforme em "rejeição de recalcado". Aqueles que sofrem desta desconexão com a realidade dificilmente conseguem superar as emoções que os impedem de conhecer aquilo que está debaixo de seus narizes uma vida inteira. E se, algum dia, descobrirem que aquela pessoa/coisa é completamente diferente daquilo que imaginavam ser, é certo que se afastarão em silêncio. As pessoas que sofrem de "obscurecimento pela proximidade" não suportam descobrir como são medíocres como seres humanos. Os exemplos são infindáveis.
O meu livro não foi idealizado para me fazer conhecer pelas pessoas que sofrem de "obscurecimento pela proximidade" e conquistar aceitação social. Eu idealizei o meu livro para expressar o sentimento daquilo que vivi e escancarar a guerra espiritual que está começando. As interpretações dos sonhos e dos fatos em sincronicidade foram elaborados e ajeitados para que eu pudesse construir uma linearidade e explicar o que acontecia comigo. Ao contrário do sensacionalismo das experiências paranormais, optei pela redução do relato à minha tortuosa dimensão íntima. Afinal, qual visão mística pode ser mais explícita do que uma vida inteira desmantelada por uma dimensão espiritual ao mesmo tempo sólida e sútil?
Como eu mesmo reconheci ao final do meu livro, o verdadeiro valor daquela situação de vida ingrata nos anos 1980 e 1990 estava em ser sempre um iniciante perdido em um deserto cultural. Por incrível que pareça, entendi que não havia nada para ser provado como realidade transcendente. Havia apenas uma situação emocional óbvia a ser aceita. Explico: em 1983, depois do início do choro convulsivo pela Vittoria Colonna, este sentimento impossível já havia instaurado uma realidade (transcendente) a ser vivida, e jamais negada. Quando o Henrique me entregou aquele papel com o sonho dele anotado (Veja o filme em http://euricopoggi.blogspot.com/ para entender), a mensagem estava na dimensão emocional que eu havia acabado de descobrir em mim mesmo e não na interpretação do sonho dele. E a dimensão emocional de chorar pela Vittoria estava me dizendo: "Beleza!!! Você é o cara (Michelangelo Buonarroti)!!! Mas quando que você vai contar isso para todo mundo?".
Ainda bem que, hoje, eu posso abrir a minha boca para expressar esse sentimento impossível pela Vittoria Colonna de mãos vazias e de pé sobre uma vida fracassada, caso contrário, eu não teria credibilidade alguma. Ser Michelangelo Buonarroti, que retorna dos mortos, implicou no abandono de todas as minhas tentativas de ser um bem-sucedido e normal Carlos Eurico Poggi, o nome desta vida. Ainda bem que, hoje, eu entendo esta chance oferecida pela incompreensão e o preconceito para abraçar o meu passado e oferecer ao outro a totalidade do que sou. Explicar a profundidade do que vivi deixou em mim um legado que reduziu o meu livro a um momento da jornada íntima. A apresentação como o próprio Michelangelo Buonarroti no espaço público é apenas o meu óbvio discurso político. Explicar a história que me levou a isto é uma completa redundância.

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