Monday, October 25, 2010

Aos robôs do senso comum globalizado

Icarus - Geometric Structure
Todas as vezes em que sou convidado a explicar a minha trajetória de vida, num determinado ponto, sempre escuto as mesmas perguntas sobre se eu fazia uso de drogas alucinógenas. Parece impossível ao senso comum da sociedade atual que experiências como as que vivi possam acontecer sem nenhum tipo de alteração química no cérebro. Porém, o que vejo por trás desse tipo de pergunta é um espantoso conservadorismo, cuja vivência não inclui um mínimo de misticismo não classificado por religiões nem racionalizações psicológicas. Mais do que isso: vejo uma uniformização do julgamento via a permanente conexão global das pessoas. A minha estranheza é pela completa ausência de certos tipos de situações e atitudes de 30 anos atrás.
Enquanto escrevia o livro (calma, falta pouco para começar a venda no site), muita reflexão sobre a época em que a história começa, final da década de 1970 e início da década de 1980, me fez saltar aos olhos a imensa diferença entre o mundo daqueles dias e o atual. A minha primeira impressão é que a comunicação entre as pessoas era mais espiritual porque era mais lenta, difícil e cara. A presença das pessoas sempre ocasionava algum impacto na idealização que fazíamos delas. Ou seja, a realidade parecia, no mínimo, mais cheia de surpresas. Devido ao isolamento dos grupos sociais e à desinformação natural de um mundo desconectado, a vida rotineira era mais carregada de mistérios e as transgressões faziam algum jus ao significado da própria palavra.
Lembro-me de chegar na oficina onde as minhas pranchas eram finalizadas em resina poliéster e fibra de vidro e de ficar sabendo da "viagem" movida a LSD e Heroína que amigos faziam por dias. A minha única razão para não participar daquilo era a necessidade de condicionamento físico para a prática do surfe. Ninguém sabia se aquilo fazia bem ou mal. Usar drogas era um verdadeiro salto no escuro. Havia muito discurso sobre a importância de se viver todo tipo de experiência, mas a minha conclusão sobre as pessoas que faziam uso era que estavam loucas para ter alguma sensibilidade, já que tinham tão pouca. Eu vivia acelerado pela adrenalina da prática esportiva e nunca vi nada de interessante ser produzido pelo estado alterado dos amigos da época. Hoje, entendo o vazio existencial de quem fazia uso. Havia alguma inocência, busca e fuga naquela ânsia por sensações diferentes.
Para mim, o veredicto sobre drogas era sempre o desempenho do cara surfando e isso foi determinante para nunca gostar de cigarro ou maconha. Lembro-me de chegar em Itaúna, Saquarema, 1977, num carro forrado de maconha, cuja distribuição garantia o respeito dos locais na hora de frequentar a praia. Só quando me dei conta dessa situação, eu entendi o excesso de simpatia de quem sequer conhecia. Mais do que proteger meus pulmões e a minha capacidade de remada para entrar nas ondas, esse episódio aos 16 anos me mostrou os meus limites sociais. Eu não era um "maconheiro" como os meus amigos e nunca houve respeito deles por essa minha postura. A minha doidera era outra e não me faltava personalidade para ser eu mesmo. Enquanto fumavam, eu ficava no carro, com o som de uma obscura banda australiana chamada AC-DC nas alturas. A consciência de que eu era muito diferente e muito mais transgressor, ou "maluco", do que todos os meus amigos juntos vinha exatamente desses momentos. O tempo mostrou que eu estava absolutamente correto nesta minha auto-avaliação, mas nunca pensei que aqueles amigos fossem se tornar pessoas tão conservadoras. Aquela "doidera", hoje, é apenas costume social. Só isso.
Aliás, nunca entendi por que "seguir a turma" tornaria alguém mais "atirado" em experiências supostamente transgressoras. Sempre desconfio de quem faz uso excessivo da aparência para se colocar para um grupo social. Se naquela época tatuagem e piercing tinham alguma razão poética, hoje, esse tipo de ostentação já foi incorporada e globalizada pela sociedade urbana, se estabelecendo como o mais trivial sinal de continência ao senso comum. Quando vou ao supermercado e vejo aquelas "senhoras-gatinhas" com tatuagens "iradas", é impossível não pensar nos códigos de imagem da sociedade da informação atual. A ânsia por euforia, sensibilidade e personalidade traduzida por alguma equívocada moda de massa dita o senso comum. Não há conteúdo, apenas rituais de socialização. E novamente percebo que o verdadeiro transgressor do senso comum, sob qualquer aspecto (desde experiências alucinógenas e até sexo), sou eu mesmo. Todo mundo que se julgava (e também aqueles que, hoje, se julgam) "super-transgressores da moral e dos bons costumes" está, neste exato momento, me classificando de louco. A loucura deles, ontem e hoje, não passa de uma ostentação vazia, cujo sentido se esgota na imagem social. A minha loucura é movida por uma verdadeira transcendência do real e se expressa todos os dias sem química alguma.
Todas as sociedades condenam as posturas que não respeitam o senso comum. Poucas pessoas sabem o que dizer diante de algo que a sociedade da informação não explicou para elas e, por isso, não há percepção sobre possibilidades que estão além do mundo atual. Já escutei de neo-hippies conselhos sobre o que não revelar dos sonhos que fazem parte da minha história, em frases do tipo:
– Pô, Poggi, não conta isso aí não porque todo mundo vai pensar que você é louco… – e o cara se julga o super experimentado de doideras diversas.
Já soube de uma pessoa "super-descolada-zona-sul" que queria me apresentar como "maluco a ser observado", lá no contexto do trabalho dela. Depois de equivocadamente tentar me enquadrar (para me diminuir, lógico) na visão de mundo do grupo dela, ela desistiu.
Fica aqui a minha admiração por quem não se curva ao senso comum. Eu sei que esse tipo de pessoa ainda existe, mas prefiro não apontá-las, pois me recuso a construir qualquer nova noção de senso comum. A jornada da vida é solitária e só é verdadeira para quem se conhece pelo próprio íntimo, pelo próprio coração, E NÃO VIVE EM FUNÇÃO DA OPINIÃO DE GRUPOS SOCIAIS.
Simplesmente "ser" é muito mais difícil e sutil do que aquilo que o senso comum atual classifica como original.

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